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Autocontrole: Dicas para uma vida mais gratificante

Atualizado: 15 de set. de 2021

Autocontrole. Dominar a si próprio para atingir um objetivo quase inalcançável. Parece uma característica que somente sábios iluminados, pessoas muito afortunadas ou ninjas altamente treinados conseguem obter, não é? Ou então um tipo de comportamento que elimina a espontaneidade, a criatividade e a identidade da pessoa. Devo me adiantar e explicar que não se trata de nenhuma dessas fantasias populares: é algo bem mais prático do que parece à primeira vista.


Ao longo de sua vida, B. F. Skinner criou um estilo de vida onde aplicou o conhecimento que aprendeu com os dados de anos de pesquisa laboratoriais, estudando princípios básicos de comportamento. Ele costumava analisar seu próprio comportamento e modicava as variáveis das quais ele era função, controlando dessa forma as chances de ocorrência do seu próprio comportamento no futuro. Em outras palavras, ele idealizou formas de tornar a sua vida mais produtiva, saudável e feliz pela aplicação de princípios de análise experimental do comportamento em seu cotidiano.


Nesse contexto surge uma nova definição de autocontrole: são comportamentos que controlam outras ações que costumamos ter diante de uma situação de escolha, como um elo anterior numa corrente de comportamentos que está para ocorrer. Um bom exemplo está no teste do marshmallow (veja o vídeo curtinho abaixo e logo voltamos a conversar):




Essas crianças foram expostas a um exercício de autocontrole. Algumas delas tentaram, sem sucesso, resistir ao doce à sua frente e acabaram comendo antes da pesquisadora retornar à sala. Agindo assim elas obtiveram um prazer imediato que estava ao alcance de suas mãos, mas também foram punidas mais tarde porque deixaram de receber o segundo marshmallow prometido caso “resistissem à tentação”. Por outro lado, as crianças que aplicaram alguma forma de autocontrole e conseguiram não comer o doce, deixando de lado a gratificação imediata tão tentadora, ganharam em dobro momentos tarde. Esse é um exemplo prático de autocontrole com crianças pequenas. Agora pense: onde mais você observa dilemas similares a esse ocorrendo? Parece familiar?


O autocontrole permite modicar nosso comportamento para evitar que punições atrasadas ocorram quando optamos por respostas de gratificação imediata. É evitar o saldo negativo na conta bancária e os juros altíssimos quando se faz compras por impulso; evitar a ressaca no dia seguinte depois de um consumo em excesso de bebidas alcoólicas na noite anterior; evitar os problemas de saúde decorrentes de se passar o dia largado no sofá ao invés de se exercitar um pouco; evitar uma nota baixa na prova do dia seguinte porque se passou o dia inteiro jogando videogame ao invés de estudar… exemplos não faltam! [Podem escrever outros exemplos nos comentários desse post]




Algo importante a ser notado é que não estamos apenas evitando receber futuras consequências desagradáveis quando aplicamos o autocontrole. Com ele também é possível buscar uma vida com mais acesso a gratificações, prazeres e felicidade. Isso, aliás, é parte essencial para se ter sucesso ao gerenciar o próprio comportamento! Essa mudança pode gerar trabalho, mas as conquistas que ela permite também podem ser muito grandes—e algumas tão ambiciosas que jamais seriam alcançadas sem organização, disciplina… autocontrole!


Imagine que você decide controlar com maior rigor as finanças pessoais e cortar os gastos com alguns pequenos prazeres imediatos, mas dispensáveis. Você não abusa mais na quantidade de cervejas com os amigos todo fim de semana. Deixa o carro na garagem para ir ao trabalho de bicicleta. Faz o próprio café da manhã em casa ao invés de ir na padaria todas as manhãs. Cancela aquela TV por assinatura que mal tinha tempo para assistir. E os banhos ficam mais curtos todos os dias! São consequências imediatas levemente aversivas de um comportamento sendo controlado para atingir consequências futuras muito mais gratificantes. Você não está na mesma zona de conforto do início, mas continua se sentindo bem com essas resoluções. Aos poucos cada decisão tomada começa a fazer mais sentido.


No meio desse caminho seus amigos podem até debochar e realmente não compreender o porquê de tanta restrição. Eles não sabem que é isso que permitirá pagar aquela sonhada viagem de férias para uma pousada tranquila numa praia paradisíaca ou um passeio cheio de atividades excitantes em alguma capital europeia: são gratificações “atrasadas” que provavelmente não seriam obtidas sem economizar no dia a dia durante esse o período anterior—estourar o limite do cartão de crédito para pagar a viagem não é uma opção válida nesse exemplo. E os mesmos amigos que antes debocharam de todo o esforço feito, provavelmente vão taxa-lo de “rico” e perguntar “qual foi a ‘mágica’ para conseguir viajar para um destino tão invejável, enquanto eles se contentaram com a mesma casa de praia emprestada pelos sogros todo ano.” Mágica! Aham, sei…


Algumas formas de autocontrole


Vale mencionar uma regra de ouro: sempre observe seu comportamento antes de começar qualquer mudança. O seu estado inicial servirá como base de comparação para saber se está seguindo pelo caminho certo ou se serão necessários ajustes durante o processo. Se a questão for trivial, de pouca importância ou que não cause prejuízos visíveis à sua rotina, talvez nem seja o caso de lidar com ela nesse momento: foque no que é importante. Em casos de dificuldade, um olhar profissional bem treinado—como o de um psicólogo—pode ajudar a encontrar um caminho adequado para empreender essas mudanças.


Restrição física


Há ocasiões onde podemos controlar um comportamento impondo condições que restringem fisicamente as chances de ele ocorrer. Exemplo: se uma pessoa precisa seguir à risca uma dieta onde não pode consumir determinados alimentos ricos em açúcar, ela pode remover todos os que encontrar na sua geladeira e nos armários, deixando sua casa livre desse tipo de comida. É bom pensar também em outros ambientes que se frequente e aplicar o mesmo processo.


Outro exemplo de restrição física ocorre ao deixar um ambiente onde provavelmente nos comportaríamos de forma indesejada. Exemplo: se a probabilidade de discutir com uma pessoa na sua frente é muito grande, o melhor a fazer é sair desse ambiente para evitar um confronto desnecessário.


Remoção ou inclusão de um estímulo no ambiente


Quando fechamos uma porta para evitar o barulho que vem de fora, escrevemos um bilhete ou prendemos um post-it dentro do nosso campo de visão, retiramos o maço de cigarros de cima da mesa e o colocamos na bolsa, estamos lidando com estímulos presentes no ambiente que alteram a nosso comportamento. Colocar o celular no modo completamente silencioso em momentos que exijam atenção plena numa tarefa auxilia do mesmo modo. A questão aqui é adequar a estimulação visual, sonora, tátil, olfativa para que seja mais provável que nos engajemos em comportamentos desejados.


Uma mesa de trabalho minimalista com tudo o que se precisa para um trabalho focado e produtivo. E nada mais!


A metodologia de organização 5S, do sistema de qualidade total japonês, passa por esse tipo de estratégia: os três primeiros “esses” são Seiri (deixar à vista apenas o que é útil no espaço de trabalho), Seiton (organizar o espaço de trabalho da forma mais eficaz para se trabalhar), Seiso (manter o ambiente limpo e organizado). Nada mais é do que manipulação de estímulos no ambiente!


Privação ou saciação


Podemos usar a privação para aumentar as chances de emitir um comportamento, ou usar a saciação para o efeito inverso, reduzindo as chances de ocorrer um dado comportamento. Exemplo: podemos fazer pequenos lanches entre as refeições para aumentar a saciação e comer menos durante o almoço ou jantar. Por outro lado, quando uma pessoa se priva da companhia do parceiro, o esforço para fazer um encontro dar certo na primeira oportunidade disponível se torna muito maior. O efeito desses fatores fica muito claro quando se vai ao supermercado: quando se está fazendo compras com muita fome ou sede, acabamos comprando muitos itens desnecessários impulsivamente. Isso ocorre exatamente porque estamos sob efeito de uma privação de alimento ou bebida, dificultando o nosso comportamento de autocontrole nessas situações. O ideal é fazer as mesmas compras somente depois de estar saciado.


Manipular estados emocionais


Nossas emoções são respostas imediatas e dificilmente controláveis. Ainda assim se pode influir sobre sua intensidade e duração usando técnicas como “respirar fundo e contar até dez”, técnicas de respiração e relaxamento, meditação, ouvir músicas significativas, etc. São recursos fundamentais quando se apresentam emoções desagradáveis em situações que exigem comportamentos assertivos, como não retrucar uma ofensa ou tomar decisões precisas em momentos de intenso estresse. A prática frequente dessas técnicas aumenta as chances de elas serem eficazes no momento necessário. Só lembre-se: esse é uma maneira de controle indireto e imprecisa. O objetivo nunca será deixar de sentir uma emoção específica, apenas atenuar a impulsividade associada à emoção.


Arranjo de consequências aversivas para certos comportamentos


Sabe o despertador que te acorda cedo toda manhã? Sim, aquele barulho desagradável que te puxa para fora da cama confortável a cada dia. Essa é uma consequência aversiva arranjada na noite anterior, que faz com que o seu comportamento de dormir seja interrompido no horário certo no dia seguinte. É ruim acordar com um despertador alto, mas muito pior seria perder a hora de ir para o trabalho ou para a escola, pois as consequências aversivas poderiam ser ainda mais intensas.


Outras consequências aversivas arbitrárias podem ser criadas: alguns pais antigamente tinham o costume de passar pimenta nos dedos das crianças que roíam unhas. Isso faz com que o hábito de morder as unhas tenha como consequência aversiva a ardência na boca provocada pela pimenta. Com efeito, muitas crianças deixaram de roer unhas dessa forma. O mesmo princípio era antigamente utilizado com bebidas alcoólicas ou cigarros quando se adicionavam substâncias que fossem enjoativas ou que induzissem vômito, desestimulando o uso dessas substâncias pelas consequências aversivas decorrentes do consumo.


Uso de substâncias químicas


Aqui estamos falando de remédios receitados por médicos ou de substâncias de uso legal e de baixo risco à saúde. São calmantes ou estimulantes. Os de uso popular podem ser citados como chás de ervas, café, bebidas energéticas. Essas substâncias não provocarão novos comportamentos, mas modicam nossa motivação para agir.


* Nunca é demais repetir: sempre consulte um médico habilitado para examina-lo antes de solicitar uma prescrição de medicamentos controlados.


Evitar um comportamento realizando outro concorrente


Aqui o truque é optar por realizar um comportamento que impeça a ocorrência daquele que não desejamos. Se não queremos discutir com alguém sobre política, podemos mudar o assunto para algo menos polêmico ou em que ocorra concordância de opiniões. Se um professor não quer que os alunos passem a aula inteira utilizando o celular, ele pode pedir que façam tarefas de resolução manual ou que exijam concentração plena para serem cumpridas. Em outro caso, quando se perde muito tempo navegando improdutivamente em redes sociais, pode-se forçar a utilizar o computador unicamente para outros fins, como trabalho e pesquisa (em casos extremos até bloqueando o próprio acesso às redes sociais).


Usar recursos tecnológicos


Estamos no século XXI, cercados de computadores, tablets, smartphones, relógios inteligentes… recursos por todos os lados! Quando mencionar tecnologia, também devemos lembrar daquelas antigas e que ainda funcionam muito bem: blocos de anotação, agendas, despertadores, timers, caixas organizadoras, etiquetas e mais tanta coisa boa que já foi inventada! Cuidado apenas com o laço envolto no dedo para não esquecer de alguma coisa. Como mostrou Les Paul, eles nem sempre funcionam tão bem.


Podemos e devemos empregar a tecnologia a nosso favor, diminuindo a sobrecarga de organização que temos dentro de nossa cabeça e delegando parte desse sistema a objetos que cumpram muito bem suas funções. Muitas pessoas percebem um alívio ao utilizar uma agenda para programar um dia bastante corrido, não precisando depender da memória ao mesmo tempo em que se tenta concentrar nas tarefas a serem feitas. Utilizando agendas de smartphones, por exemplo, é possível ainda combinar as funções de anotar os compromissos, ser lembrado num horário específico pelo despertador do aparelho, ter a rota e tempo estimados no trânsito até o destino. Esse é um tópico que merece um capítulo à parte, visto que a cada dia surgem novas invenções com potencial de auxiliar nossas mudanças de comportamento (quando bem utilizados!).


Mais algumas palavras…


Acho que deu para perceber que não estamos falando mistérios filosóficos ou de magia, mas de uma forma de se atingir uma vida mais plena e significativa, podendo conquistar não só o nosso suado salário de cada mês, mas objetivos de vida a longo prazo. Podemos pensar também que esse recurso pode ser bem aplicado no seu dia a dia, onde for necessário aumentar a sua produtividade ou evitar perdas desnecessárias. Em outras palavras, dar conta de tudo o que é exigido para fazer e ainda criar tempo livre para aproveitar de maneira criativa, espontânea, prazerosa: estar em companhia da família, sair com amigos, aprender um instrumento musical, ler um livro, jogar um videogame, explorar novos hobbies, estudar algo interessante, viajar, fazer exercícios, meditar ou mesmo ficar sem fazer nada por pura e simples vontade!


Para Skinner, o autocontrole ainda tinha duas funções importantes para a sociedade: o cidadão vai atingir o seu potencial pleno e estará em condições de dar contribuições significativas de volta à sociedade; e também respeitará os termos de sobrevivência da comunidade em longo prazo, como o respeito às normas essenciais para manutenção da sociedade e o uso consciente de recursos naturais. Ao mesmo tempo que essa prática traz benefícios a cada pessoa, existem implicações muito fortes sobre a nossa cultura e sociedade, que se beneficia direta e indiretamente desses esforços individuais.



Não se trata de algo tão complicado e misterioso, apesar de aplicação no dia a dia gerar desafios particulares, com maiores ou menores dificuldades em cada caso. Como muito do que fazemos cotidianamente, o autocontrole também exige uma prática diária e certos ajustes para se chegar a um domínio sobre o próprio comportamento, de forma a ter uma vida com mais realizações e felicidade. Melhorar a vida dessa forma é possível e ainda deixaria qualquer ninja com inveja!




Para saber um pouco mais sobre o assunto:


Epaminondas, F., & Rocha, C. A. A., & Ortolan, M., & Calixto, F., & Andrade, L., & Bernardes, L. (28 de junho de 2015). Boteco Behaviorista #43 – Autocontrole [arquivo de vídeo]. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=da4wJfS0ulI


Epstein, R. (1997). Skinner as self-manager. Journal of Applied Behavior Analysis, 30(3), 545–568. http://doi.org/10.1901/jaba.1997.30-545


Skinner, B. F. (1981). How to discover what you have to say – a talk to students. The Behavior Analyst, 4(1), 1–7.


Skinner, B. F. (1987). A thinking aid. Journal of Applied Behavior Analysis, 20(4), 379–380. http://doi.org/10.1901/jaba.1987.20-379


Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e Comportamento Humano. (J. C. Todorov, Azz, & R. Azzi, Trad.) (11a ed.). São Paulo: Martins Fontes.

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